O seguro-saúde é uma necessidade cada dia mais inquestionável, diante da situação deplorável da saúde pública no Brasil.

Quem tem condições econômicas, ainda que limitadas, acaba por deixar de investir em outras áreas que conferem à vida qualidade, como lazer e cultura, por exemplo, para arcar com a mensalidade de algum convênio médico, do qual espera receber um tratamento mais digno que aquele oferecido pelo Estado.

Apesar de todo o sacrifício, já que o que se paga não é pouco, surpresas desagradáveis são constantes quando se busca a rede credenciada para atendimento. Todos nós já nos deparamos com médicos deixando de atender ou, quando o fazem, os agendamentos são tão distantes e as consultas tão exíguas, que não se mostram muito diferentes do que é oferecido pelo Sistema Único de Saúde, o popularmente conhecido SUS.

Não reclamamos. Procuramos outros médicos, aceitamos que bons recursos deixem de nos atender e à nossa família, vamos levando, com base no pensamento “melhor com ele, do que sem ele”. Entretanto, algo precisa ser do conhecimento dos usuários de planos de saúde.

A despeito das carências assumidas quando da contratação do seguro, em casos emergenciais elas deixam de ter validade. Sim, a operadora do plano de saúde tem que arcar com todo o atendimento médico, seja ambulatorial ou cirúrgico, ainda que no período de carência, se o conveniado dele precisar.

E isso não é algo que dependa da boa vontade da operadora. É decorrente de lei, lei esta que não consta dos abusivos contratos de adesão que assinamos sem ao menos ler. Mesmo porque, não há qualquer margem de negociação neste tipo de relação de consumo.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já tem entendimento sumulado quanto à abusividade da não cobertura em casos emergenciais. Trata-se da Súmula 103:

“É abusiva a negativa de cobertura em atendimento de urgência e/ou emergência a pretexto de que está em curso período de carência que não seja o prazo de 24 horas estabelecido na Lei n. 9.656/98.”

Assim, após 24 horas de contratado o seguro saúde, ocorrendo situação que requeira atendimento de urgência/emergência, os planos têm que prestar o serviço, arcando com as despesas dele decorrentes.

E tal obrigatoriedade não estará causando prejuízo às operadoras de saúde privada. Quantos de nós contratamos planos que, felizmente, só utilizamos eventualmente? O risco do negócio – seguro saúde – é parte intrínseca do mesmo. Qualquer tipo de seguro, seja de saúde, residencial, automotivo se baseia no risco de um sinistro ocorrer. Apenas no seguro de vida, o risco é certo. A morte virá para todos.

Enquanto a morte não chega, a dignidade deve ser o valor supremo a ser respeitado, em especial quando envolver questões relacionadas à saúde e à qualidade de vida, que fogem do nosso controle.

Portanto, ocorrendo uma emergência médica durante o período de carência do plano, ainda que negada a cobertura pelas vias administrativas, o Judiciário deverá ser acionado, para que uma relação que nasce desigual possa atingir um equilíbrio, sem que a parte hipossuficiente tenha que arcar com gastos que não pode, não deve suportar e muita das vezes sequer tem condições para arcar.

Indispensável falar ainda que tal prática reiterada pelos Planos de Saúde acarreta não só a perda financeira aos lesados. Não é difícil de depreender que aquela pessoa que se submete a um procedimento de emergência já está, por si só, bastante fragilizada e com suas condições de discernimento comprometidas. Afinal de contas não é possível prever, salvo em raros casos, que iremos necessitar de um procedimento de urgência. Portanto, a surpresa acaba por agravar o caso, quer psicológica, quer fisicamente.

Assim sendo, por si só a prática da “não cobertura fora da carência” já é uma atitude deveras lamentável. A indenização não deve se limitar apenas à questão material. É evidente o dano moral nesse caso, pois os constrangimentos e preocupações que são impostos a quem necessita de atendimento foge, em muito, do razoável.

Nesse contexto, evidenciada a ocorrência de tal conduta por parte dos planos de saúde, o que infelizmente constitui prática comum, nasce para o lesado o direito de buscar o Judiciário visando à reparação do dano material bem como, de forma moderada, o dano moral.

Outro ponto que muitas vezes precisa do amparo judicial é a rescisão unilateral do contrato, por parte da operadora, em casos de planos contratados por empresas.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem reconhecido, não só como abusiva tal prática, como também passível de indenização por danos morais:

“Convênio médico. Seguro saúde. O art. 13 da Lei n° 9656/98 ao falar em renovação automática dos contratos de seguro saúde vedou a rescisão unilateral por parte da prestadora de serviços e tornou obrigatória a renovação contratual à qual não se pode furtar a seguradora. A aparente proteção exclusiva do art. 13, parágrafo único, inciso II, aos contratos individuais, estende-se também aos contratos coletivos por adesão, sob pena de ferir gravemente todo o sistema protetivo tanto do Código de Defesa do Consumidor como da Lei n° 9656/98. Nos contratos coletivos o beneficiário final é o consumidor, tal qual nos contratos individuais ou familiares. A interpretação restritiva daria ensejo a abusos que feririam gravemente o direito dos conveniados, que, quando menos esperassem, enfermos ou não, estariam sem nenhuma assistência médica. Recurso improvido. ” (TJSP – Apelação Cível nº 0123782-69.2008.8.26.0000, Rel. Des. Maia da Cunha, j. 24/04/2008)

Assim, como garantido por resoluções, após um ano de contrato, a operadora pode desligar o consumidor, desde que o notifique com a antecedência de dois meses, ainda que haja o inadimplemento da mensalidade.

A respeito do tema, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo editou a Súmula de número 94, tendo o seguinte enunciado:

 “A falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro de saúde, exigindo – se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias para purga da mora.”

Seguiu aplicando tal entendimento:

“PLANO DE SAÚDE – Cancelamento unilateral do contrato de natureza individual, pela operadora, fundado em inadimplemento da usuária – Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva – Necessidade de notificação prévia do usuário, para possibilitar a purgação da mora Inteligência do art. 13, inciso II, da Lei nº 9.656./98 e da Súmula 94 desta Corte Sentença mantida – Recurso não provido.”

“Apelação. Ação de indenização por danos moral e material. Plano de saúde. Cancelamento automático. Não cabimento. Súmula 94 desta Corte. Dano moral. Caracterização. Rejeição do atendimento médico que gerou angústia na autora. Valor. Adequação aos primados do STJ. Solidariedade. Incidência, na espécie, da regra consumerista (CDC, art. 7º, parágrafo único). Sentença mantida. Recurso improvido.”

O STJ apresenta entendimento semelhante, ou seja, é obrigatória a notificação prévia e efetiva para permitir o cancelamento do contrato de saúde:

“(…) Destarte, não havendo nos autos qualquer elemento que comprove de forma isenta de dúvida a pré notificação do atraso no pagamento e da possibilidade de rescisão contratual, é de se reconhecer que a rescisão unilateral perpetrada pela Clinpan foi feita em desacordo com o que determina o art. 13, § único, inc. II da Lei 9656/98. Desta forma, a rescisão unilateral, não atendeu ao que dispõe a lei de regência dos planos de saúde, de modo que não é válida e o contrato, continua em vigor.”

“No caso concreto, o Tribunal de origem concluiu não ter sido comprovado o fato de que o segurado foi notificado sobre a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde.”

 “AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. INADIMPLÊNCIA DO SEGURADO. RESCISÃO UNILATERAL NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. SÚMULA STJ/7. 1.- Nos termos do art. 13, parágrafo único, II, da Lei n. 9.656/1998 é obrigatória a notificação prévia ao cancelamento do contrato, por inadimplemento, sendo ônus da seguradora notificar o segurado. 2.-Para infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal de origem acerca da inexistência da notificação prévia do segurado seria necessário reexame dos elementos fático-probatórios dos autos, soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias, o que é defeso nesta fase recursal a teor da Súmula 7 do STJ.(…)”

A respeito da questão, o Procon proferiu parecer técnico analisando a penalidade contida no art. 82 da Resolução Normativa ANS nº 124/2006, concluindo que:

“A lei diz que o consumidor deve ser comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência para evitar a rescisão contratual. Tendo em vista que os 60 dias de inadimplência que facultam a quebra do contrato podem ser contados de forma consecutiva ou não, a informação fornecida ao consumidor é extremamente importante, pois por ser vulnerável nessa relação dificilmente saberá que está na situação de inadimplência parcial. Ademais, o intuito da norma é garantir a manutenção do contrato, sendo que a ausência dessa comunicação, em caso de novo inadimplemento, poderá impedir a consecução do dispositivo legal.”

Portanto, não basta a notificação, deve ainda ser efetiva para que o consumidor tenha a ciência do cancelamento, atendendo-se, sempre, os ditames estabelecidos pela Lei 9656-98, notadamente em seu art. 13, inciso II.

Tal atitude, destarte, além de desigual e capaz de ferir direitos, muitas vezes ocorre quando o usuário do plano se encontra em meio a um tratamento de saúde delicado, que demanda internações e procedimentos que, de modo particular, inviabilizaria sua continuidade.

A ganância das operadoras de saúde parece não ter limites, sendo bastante usual a famigerada “notificação” de cancelamento do plano em 60 dias, sem ao menos garantir ao consumidor a portabilidade para um plano individual. O entendimento jurisprudencial vem possibilitando a manutenção do consumidor no plano contratado, a despeito de algumas resoluções da ANS as quais, muitas vezes, nem sequer constam do contrato de adesão firmado entre as partes.

Felizmente, a sensibilidade dos Magistrados não se petrificou, ainda, diante dessa grave postura dos convênios médicos e decisões favoráveis ao usuário, principalmente aos portadores de moléstias graves, vêm sendo proferidas, propiciando o mínimo de tranquilidade para que o paciente possa continuar recebendo um tratamento digno, que se não o levar à cura, possa diminuir seu sofrimento.

Ainda que se façam críticas à judicialização da saúde, em muitas situações, frente ao mercantilismo dos planos e das operadoras, só resta ao indivíduo e a sua família a busca do Judiciário para manter-se vivo. É triste. Mas é o que vem acontecendo.

Carla Moradei Tardelli é advogada, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduada em Direito pela Universidade Paulista em 2008. Pós graduada em Direito de Família pela Escola Paulista da Magistratura &ndash EPM. Professora em Cursos Jurídicos Preparatórios. Graduada em Psicologia pela PUC/SP em 1988, atuando por 21 anos, junto às Varas de Família e Sucessões e Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Leandro Souto da Silva é advogado, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu em 2006. Professor em Cursos Jurídicos Preparatórios. Atuou como Assistente Judiciário e Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por seis anos, com lotação em Vara de Família e Sucessões.

 

Fonte: Carta Capital
Foto: Reprodução/Agência Brasil